Por Antônio Sérgio Valente

Antes de tratar dos ganhos e perdas da proposta delineada no artigo anterior, sobre o IVA Federativo Nacionalizado, vejamos com mais vagar, em detalhes, como é a partilha atual do ICMS e como seria apartilha do IVA sugerido. Depois faremos breve comparação com a partilha através da alíquota uniforme de 4%, recentemente discutida no Congresso Nacional, embora ainda pendente de acordo.

Partilha Atual

A partilha atual do ICMS é feita através de alíquotas e obedece a dois critérios distorcidos, a saber:

a) Nas relações bilaterais entre UFs do Sul e do Sudeste (exceto ES), com as do Norte, Nordeste e Centro-Oeste (exceto ZF, incluindo ES), as primeiras exportam a 7%, e as outras a 12%. Essa partilha privilegia de fato a UF de menor pujança — que alguns tributaristas chamam de Emergentes, embora nem sempre estejam emergindo… —, mas contém um viés de incoerência, pois implica em conceder percentual menor quando a UF menor tem menos pujança, e maior quando cresce a sua pujança. Vale dizer, é um privilégio bem intencionado, em termos de solidariedade federativa, mas tende a exacerbar-se com a expansão econômica da UF menos pujante. A exacerbação está esmiuçada na Planilha “A”, Quadros I a VI.

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Vemos na Planilha “A” que, na partilha atual, quando a UF de menor pujança do N, NE ou CO alcança apenas 25% do comércio bilateral com outra UF de maior pujança do S ou SE, a menor abocanha 10,5% do total de 17% do ICMS interestadual. (Quadro I da Planilha “A”). Até aqui, tudo bem, afinal ela precisa de uma participação privilegiada na partilha.

A distorção ocorre na sequência, pois à medida que a UF de menor pujança vai aumentando a sua pujança, os seus privilégios na partilha deveriam diminuir, mas ocorre exatamente o oposto, os privilégios da UF de menor pujança crescem quando cresce a sua pujança, e a diferença se acentua até que as pujanças se igualem, e podem subir ainda além desse ponto.

Quando a pujança sobe para 30%, por exemplo, a participação relativa aumenta de 10,5% para 10,6% do total de 17% do ICMS interestadual. Quando a pujança sobe para 35%, 40%, 45% e 50% a sua participação relativa aumenta, respectivamente, para 10,7%, 10,8%, 10,9% e 11%. Ver Quadros II a VI da planilha “A”. Chega-se ao absurdo de, no mesmo patamar bilateral, no equilíbrio na balança interestadual, quando ambas as UFs têm a mesma pujança, uma (a de suposta ‘menor’ pujança) participa com 11% do ICMS interestadual de 17%, enquanto a outra (a de suposta ‘maior’ pujança) participa com apenas 6%. E isto sob a mesma pujança…!

O mais adequado seria conceder um privilégio elevado à UF de menor pujança quando ela estivesse em seus piores momentos, com déficit elevado, e retirar-lhe gradativamente os privilégios quando fosse ganhando peso na relação bilateral, até zerar o privilégio quando a balança interestadual recíproca atingisse o equilíbrio. Mas como vimos não é isso que está ocorrendo.

b) Nas relações bilaterais envolvendo as UFs do Sul e do Sudeste (exceto ES), entre si, e também nas que envolvem UFs das demais regiões, entre si, todas exportam reciprocamente a 12%.

Contrariamente ao critério da alínea anterior, neste as UFs de maior pujança têm tratamento privilegiado em relação às menores da mesma região. Esse critério não leva em conta, obviamente, a solidariedade federativa. Concede maior participação percentual aos mais fortes e menor participação aos mais fracos, exatamente o inverso do que deveria ocorrer.

Se bem que há uma atenuante: quando a pujança da menor vai crescendo em termos relativos, o privilégio da maior vai declinando, até zerar, no momento em que as pujanças se igualam. Neste aspecto, quanto ao ponto de chegada, anda bem a partilha, o problema está no ponto de partida e ao longo da trajetória. A situação está detalhada na Planilha “B”, em seus Quadros I a VI.

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No ponto de partida, quando a UF de menor pujança está em posição extremamente deficitária, com 25% de participação no comércio bilateral com outra UF, a de maior pujança arrecada 10,25% do ICMS interestadual de 17%, enquanto a de menor pujança arrecada 6,75%. Ver Quadro I da Planilha “B”. Neste caso, a tributação está com ênfase na produção e não no consumo. O ponto de partida é o inverso do que deveria ser se o critério levasse em conta o princípio da solidariedade federativa, ou se adotássemos o princípio de tributar o consumo e não a produção. Mas nenhum destes princípios consta nessa partilha.

A boa notícia é que um outro contrassenso se contrapõe ao anterior para corrigir a distorção no ponto de chegada, isto é, à medida que a pujança da UF deficitária cresce, a sua participação percentual também se eleva até o limite da igualdade.

Vemos nos Quadros II a VI da Planilha “B” que quando a UF de menor pujança aumenta a sua participação no comércio bilateral para 30%, 35%, 40%, 45% e 50%, o seu quinhão no ICMS interestadual de 17% sobe de 6,75% para 7,1%, 7,45%, 7,8%, 8,15% e 8,5%, respectivamente.

Vale dizer, quando o paciente está fraquíssimo, desmaiando de fome, o médico receita poucas vitaminas, e quando está ficando mais forte, quando talvez pudesse diminuir as doses, o médico prescreve mais suplementos do que antes. Convenhamos, é um médico meio contraditório esse, provavelmente não é tão bom como o Dr. House.
De qualquer forma, embora seguindo pela contramão, esta segunda partilha se dirige para o destino certo, ou seja, no limite da igualdade, quando a balança estabiliza-se, ambas as UFs alcançam a mesma participação percentual, fato auspicioso, eis que na outra partilha, entre Sul/Sudeste versus Norte/Nordeste/Centro-Oeste, não se chega, pela partilha atual, a esse ponto de convergência (ver Planilha “A”).

Alterando a Partilha — Pujança Bilateral Invertida

As modalidades de partilha acima apontadas apresentam, como acabamos de ver, algumas distorções. Para corrigi-las sugerimos, no artigo anterior, a transformação do ICMS estadual em IVA estadual federalizado, com partilha baseada no princípio da solidariedade federativa, mediante a aplicação da técnica das pujanças bilaterais invertidas, que combina alíquota nacional, ou cheia, idêntica para operações internas e interestaduais, com ajuste em Câmara Federativa de Compensação que faz o encontro dos débitos por saídas bilaterais das UFs.

A nova partilha corresponderia a um pacto federativo bem mais solidário e sensato do que o atual. Levaria em conta as pujanças dinâmicas das UFs, em função de suas balanças interestaduais.

O modelo já foi apresentado, em termos teóricos, no artigo anterior. Neste, além das Planilhas “A” e “B”, já referidas, sintetizamos na Planilha “C” os números das partilhas atuais para Sul/Sudeste x Norte/Nordeste/Centro-Oeste (Quadro I da Planilha “C”); e para UFs do Sul/Sudeste entre si, e UFs das demais regiões entre si (Quadro II da Planilha “C”). Nesses dois quadros é possível constatar as incoerências acima comentadas sobre a partilha atual.

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Nessa mesma Planilha “C” constam os números da partilha proposta para um IVA novo, fundamentada no princípio da solidariedade federativa e no conceito de imposto sobre o consumo.

A técnica da pujança bilateral invertida põe ênfase na tributação do consumo, atribuível à UF de destino, onde se dá o consumo, embora com incidência e cobrança na UF de origem.

Por essa proposta, independentemente da região, as UFs de menor pujança têm maior participação na partilha do IVA interestadual. Quando a pujança da UF é ínfima, quando é grande a sua desvantagem bilateral, vale dizer, quando a UF é extremamente deficitária na relação com a oponente, a sua participação percentual na partilha é maior. Se a UF tem, por exemplo, pujança igual ou inferior a 25%, ela participará com 12,75% do IVA interestadual, ao contrário da regra atual, em que ela participa com 10,5% (se for do Norte, Nordeste ou Centro, ou do ES, e na outra ponta estiver uma UF do Sul ou do Sudeste, exceto ES), ou pior ainda, com apenas 6,75% (se ela for de qualquer região e na outra ponta houver uma UF de sua própria região). Ver Quadros I e II da Planilha “C”.

Portanto, na nova proposta, há um ganho expressivo, no ponto de partida, para a UF de menor pujança.
Mas há uma coerência interna no critério da nova partilha: à medida que a UF de menor pujança vai reduzindo o seu déficit bilateral, a sua participação percentual na partilha declina. E declina até alcançar o limite da igualdade com a UF da outra ponta, exatamente quando ambas atingem a mesma pujança. Vale dizer, quando a balança interestadual estiver equilibrada, ambas as UFs participarão igualmente do IVA interestadual.

Note-se que nessa nova forma de partilhar a ênfase do imposto está no consumo, sempre, embora na última faixa, a de igualdade nas pujanças, possa cogitar-se tanto do princípio de consumo como de produção, dependendo apenas da ótica, eis que produção (exportação) e consumo (importação) de ambas as UFs se equivalem. Mas durante o percurso até o equilíbrio não há dúvida de que a ênfase está na tributação do consumo, eis que se partilha em função da pujança bilateral invertida.

Comparação entre Pujança Bilateral Invertida e Alíquota Uniforme de 4%

No ano de 2013, esteve em discussão no Congresso Nacional a hipótese de unificação das alíquotas interestaduais em 4%, como forma de eliminar a guerra fiscal.

De fato, a alíquota de 4% mitiga a guerra fiscal, pois deixa menos munição à origem, dá maior proporção à tributação do consumo. Por essa técnica, 4% do ICMS interestadual de 17% pertenceriam à origem, à UF produtora, enquanto 13% pertenceriam ao destino, à UF consumidora. Cada UF fiscaliza e cobra a sua alíquota e não se cogita de Câmara de Compensação.

Por essa técnica, as proporções nas pujanças mais desequilibradas são muito próximas da partilha atual, mas têm a vantagem de tender para a igualdade participativa à medida que as pujanças forem se aproximando. Na partilha atual, para a balança de 75×25, a UF emergente participa com 10,5% do total de 17%, enquanto à alíquota uniforme de 4%, participaria com 10,75%. Portanto, números bem próximos. Porém, à medida que a pujança da UF emergente vai crescendo, a sua participação na partilha vai diminuindo: 10,3%, 9,85%, 9,40%, 8,95% e 8,5%, respectivamente para pujanças de 70×30, 65×35, 60×40, 55×45 e 50×50, ao passo que pela partilha atual a sua participação cresce quando cresce a pujança: na mesma ordem, 10,6%, 10,7%, 10,8%,10,9% e 11%, para bilateralidade entre UFs do Sul e do Sudeste X UFs do Norte, Nordeste e Centro-Oeste, e, ainda na mesma ordem, 7,1%, 7,45%, 7,8%, 8,15% e 8,5, para comércio bilateral entre UFs das demais regiões, entre si.

Vale dizer, com a alíquota uniforme de 4%, algumas distorções da partilha atual se resolvem, sempre com inevitáveis perdas e ganhos e com as lamúrias de sempre.

O mesmo ocorre com a partilha por meio das pujanças bilaterais invertidas, embora neste caso as diferenças favoráveis às UFs de menor pujança sejam maiores, sobretudo nas relações de pujança mais discrepantes, déficits mais expressivos. Vale dizer, as UFs de maior pujança arcam com maiores ônus nesta partilha bilateral invertida, mas também desfrutam, juntamente com as demais, de inúmeras vantagens, que não lhes proporcionam nem a alíquota uniforme de 4%, nem a partilha atual, a saber:

a) A alíquota cheia da pujança bilateral invertida significa uma pá de cal no turismo documental de fronteira: fraudes que implicam em vender para o mercado interno da UF, a 17%, porém simulando que a venda é para outra UF, a 7% ou 12%. Essa prática desaparece, pois a mercadoria terá uma única alíquota federativa.

b) Intensifica-se o combate ao crédito sem lastro, à nota fria, às empresas em nome de laranjas ou de testas-de-ferro, montadas em UFs onde o Fisco é menos atuante ou mais leniente, exclusivamente para gerar créditos aproveitáveis em outras UFs. Hoje as UFs onde se situam os emitentes nada perdem com esse modus operandi, afinal a operação de fato não existiu, houve apenas um simulacro de transação. No novo modelo, a UF do emitente terá maior responsabilidade, apresentará o Débito por Saídas à Câmara de Compensação, na plataforma da NF-eletrônica, responderá por esse imposto, eis que será entregue à UF destinatária, na partilha. Assim, a UF do emitente terá de agir com maior eficiência, rapidamente, para cassar as inscrições irregulares e assim não perder tributo na Câmara de Compensação.

c) A guerra fiscal passa a ser um problema para a UF do emitente, pois na partilha atual ela abre mão de parte da carga tributária, recebe menos do que consta na emissão, mas não responde pelo lastro do crédito transferido. Pela nova regra, isso muda, pois a UF emitente passa a responder pelo crédito transferido, eis que este é um Débito por Saídas na plataforma de emissão, e pela regra da inversão, pertencerá à UF destinatária. Ademais, a própria Câmara de Compensação poderia impor sanções compensatórias, federativas, contra a UF que tentasse infringir o pacto federativo depredando a arrecadação agregada. Portanto, a guerra fiscal estaria com os dias contados, não obstante a alíquota cheia na fronteira.

d) Há uma simplificação expressiva nas atividades do Fisco, pois a alíquota cheia reduz a geração de créditos acumulados em função das diferenças entre alíquota interna e interestaduais. Esses créditos geram imenso trabalho para os contribuintes e para o próprio Fisco. Os fiscais-dia que hoje se dedicam a apurar os complicadíssimos processos de crédito acumulado passam a ficar disponíveis para outras tarefas, diminui o custo de oportunidade dos recursos humanos, o Fisco passa a dispor de tempo para caçar fora do zoológico, para buscar o imposto escamoteado, a fraude, a venda sem nota, as diferenças nos estoques, etc. Vale dizer, a partilha via pujança bilateral invertida implicará em menos custos para o Fisco.

e) Se há diminuição de custos para o Fisco, o mesmo se dá do lado de lá do balcão: o contribuinte também se desobriga de produzir os famigerados demonstrativos de crédito acumulado; deixa de contratar advogados para defender-se das autuações decorrentes da guerra fiscal; deixa de contratar tributaristas especializados em configurações de planejamento tributário, a fim de proteger-se da concorrência predatória; deixa também de provisionar recursos para fazer frente a decisões judiciais que lhe possam ser contrárias — eis que as incertezas jurídicas certamente hão de diminuir. Pode até haver litígios na Câmara de Compensação entre as UFs, mas entre UFs e contribuintes, no caso da guerra fiscal, esses litígios tendem a diminuir.

f) Com a maior clareza tributária, com menores incertezas jurídicas, com a simplificação das emissões, apuração e cobrança, mormente se a medida for combinada com o fim da ST, não há dúvida de que se abrirá caminho para novos investimentos, eis que muitos empresários temem investir em ambiente confuso e caro. Quando o sistema tributário é um manicômio, quando a concorrência predatória navega num imenso mar de normas, em águas de muitas evasões legais, travestidas de legais e ilegais, o investidor se afasta. O Brasil vem sentindo esses efeitos mais fortemente nos últimos anos, sobretudo após a ampliação da ST e a intensificação da guerra fiscal. O combate a essas pragas de complexidade e incerteza criará um novo cenário econômico no Brasil, cenário que atrairá investimentos, sem dúvida. E investimento é produção, emprego, renda, consumo… e consumo é arrecadação de IVA e outros tributos.

g) A sistemática da partilha via pujança bilateral invertida implica em provável maior eficiência da fiscalização e da cobrança do imposto, eis que, em tese, as UFs que mais arrecadam — e que terão de transferir a arrecadação adicional decorrente da alíquota cheia para as demais — geralmente são bem equipadas, dispõem de invejáveis recursos humanos e eletrônicos. Isso é bom para o erário agregado, e ótimo para o contribuinte sério, que conta com a eficiência do Fisco para afastar a concorrência predatória.

De todas as vantagens acima apontadas, válidas para a partilha através de Câmara de Compensação, com alíquota interestadual cheia, apenas o combate à guerra fiscal também figura na lista da alíquota interestadual uniforme a 4%. As demais são exclusivas da partilha proposta no artigo anterior e defendida neste.

No próximo artigo voltaremos ao tema, para discutir a inadimplência e seus efeitos, possíveis alterações nas formas de cobrança, e também as Zonas Francas.

http://blogdoafr.com/articulistas/antonio-sergio-valente/reforma-tributaria-urgente-11/

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